Tuesday, May 5, 2015

NA NOSTROSFERA

Nostrosfera – plano da atmosfera em que se situa um grupo de indivíduos, arredados de outros indivíduos ou grupos. Tudo o que existe na nostrosfera é tido como único, ainda que se repita noutras nostrosferas.

Numa altura em que a banda desenhada ainda é considerada por muita gente como coisa para crianças, em que alguns autores, como que envergonhados, se apressam a referir o que fazem como um passatempo ou uma atividade marginal com fins didáticos, tudo menos um processo criativo em profundidade e de pleno direito, grassa um fogo de paixão em torno do conceito de novela gráfica. Na nostrosfera portuguesa, em que profissional equivale grosso modo a empregado, os autores não publicam pelo lucro, que não o há, mas, em seu lugar, cresce o número de workshops, de professores assistentes e de sonhos americanos de emigração. Entretanto, algumas alminhas nostrosféricas, em vez de se preocuparem com coisas sérias, andam a discutir o sexo da arte!

A conversa, pelo que apanhei a voo de pássaro, mete formatos de capa, grossura de lombada e vai a detalhes de aparência gráfica que saem de todo do que interessa para saber o que a obra deve à novela. É um esforço burocrático, condenado à partida, contra uma enxurrada oportunista que, noutras nostrosferas, já viu misturar-se no conceito de graphic novel vários mainstream locais, desde o clássico comic americano até ao estilo de drama musical de Bollywood. Como se tornou frequente nas últimas décadas, no mundo das artes, confunde-se cantata com conceito, sendo a cantata de mais fácil absorção.

Nau Negra, a história que acabei recentemente, deve mais ao teatro do que à novela, contudo foi executada como o são normalmente as novelas, revisões frequentes incluídas, que me obrigaram a redesenhar várias páginas. Como lhe hei-de chamar? Apresento-a como novela gráfica, porque soa melhor do que BD, já toda a gente sabe o que é, e depois não é mentira nenhuma. A menos que uma novela gráfica tenha que ter a aparência de um tijolo, a letra esteja condicionada a um tipo, os balões tenham que ser todos redondos e a história tenha que fazer chorar como numa telenovela. Por outro lado, banda desenhada sempre foi um termo de gosto duvidoso, mas também serve, excepto quando o interlocutor pensa que é apenas coisa infantil ou didática. De qualquer modo há-de ser sempre difícil transmitir, através das conotações establecidas pela designação, toda a complexidade da obra em causa.

Mas, ainda que seja para combater o uso abusivo de um termo (graphic novel), cujo dá um cheiro de respeitabilidade intelectual, de momento já um pouco enfraquecido pela sua generalização, o que não se pode fazer é isolar a banda desenhada e dizer que ela tem força suficiente para se aguentar sem associações a outras formas de comunicação. Porque uma das grandes vantagens da banda desenhada é exatamente a capacidade de absorver essas associações e transmiti-las à sua maneira. Por outras palavras, agarrar no mundo, dar-lhe uma volta e contar uma história.